As mudanças decorrentes da pandemia do COVID-19 têm afetado todas as dimensões e níveis sociais, gerando sentimentos de ansiedade e insegurança em todos nós, inclusive nos âmbitos das relações interpessoais familiares, sociais e profissionais.
Para aqueles que mantiveram o vínculo empregatício, também houve mudanças na dinâmica do trabalho, alguns com sobrecarga de atividades, outros precisando lidar, com os ônus e bônus do home office (seja transformando um espaço de casa em escritório; se subdividindo entre as obrigações de trabalho X casa X filhos; seja lidando com todos os anseios provenientes de todas essas mudanças) e tantas outras vivências subjetivas.
Somado a isso vieram alguns percalços, tais como a necessidade de lidar com os limites de tempo/horário diário de trabalho, desses limites não serem mais controlado pelo “ponto”, da necessidade de comunicar seu limite ao chefe que lhe solicita após seu horário, o afastamento das relações de cooperação entre colegas no ambiente de trabalho que antes eram mais comuns, a solidão.
Hoje resolvi trazer a reflexão, baseada em uma pergunta que recebi, sobre a relação entre o desemprego e a autoestima. E a parte inicial desse post tem o propósito debater sobre o sentido do trabalho construído por cada um de nós.
Segundo Chauí (1999) o trabalho é uma das dimensões da vida humana que revela nossa humanidade, pois é por ele que dominamos as forças da natureza, satisfazemos nossas necessidades vitais básicas e exteriorizamos nossa capacidade inventiva e criadora.
O é trabalho para você, hoje?
E para sua família? O que mudou de geração para geração nessa construção?
Como se deu essa construção na sua trajetória?
Como tem sido essa experiência para você? (TRABALHO X PANDEMIA)
Não podemos desvincular o homem do trabalho e muito menos pensar as consequências do desemprego desconsiderando o fato de que o trabalho foi e permanece central para o ser humano, pois além de se relacionar a produtividade que muito impera hoje na sociedade, se relaciona diretamente ao que EU tenho a OFERECER enquanto sujeito.
Assim, as reações do desempregado à sua condição não são fruto apenas das perdas materiais que sofreu, mas, sim, da impossibilidade de se expressar, se desenvolver e deixar sua marca no mundo.
Pesquisas indicam que o desemprego pode culminar em perda da autoestima, angústia, sentimentos de impotência e de culpa, depressão, uso de álcool e drogas em geral, conflitos interpessoais (com família, cônjuges, amigos), isolamento social e até suicídio.
Apesar de ser uma vivência subjetiva, como tantas outras, quando experienciamos uma demissão, um sentimento que pode nos invadir, enquanto profissional, é o de traição e injustiça por parte da instituição. A desocupação inesperada pode criar no indivíduo (além da perda financeira) uma crise de autoestima, uma quebra no sentimento de unidade e de completude.
Segundo Rochael Nasciutti (2020)
“é como se junto com o emprego e a impossibilidade de trabalhar, o indivíduo perdesse suas referências de integração e pertencimento social, de identidade cultural. Ferida no narcisismo, na dignidade, sentimento de vergonha e fracasso, são as primeiras queixas de quem não pode trabalhar, além da perda financeira.”
Essas transformações somadas ao tempo agora ocioso e a ser preenchido (pela demanda da produtividade), ao isolamento social e as imprevisibilidades (provocadas, hoje, por exemplo, pela pandemia) alteram significativamente a dinâmica cotidiana individual, provocando e/ou acentuando problemas já existentes, mas que não estavam no holofote, tais como conflitos conjugais e familiares, problemas sexuais, adoecimento físico e mental, violência doméstica e outros tantos.
Se identifica com alguma dessas situações?
Quais sentimentos predominaram?
O que você fez em relação a eles?
A psicoterapia como estratégia de enfrentamento diante do desemprego.
O processo de psicoterapia pode oferecer uma perspectiva construtiva no que tange o universo do trabalho e do desemprego, possibilitando a abertura de um espaço para o questionamento e ressignificação:
“sobre quem se é, indissociável da interrogação sobre onde se está, ou ainda, para onde se está indo. Ou seja, para o psicoterapeuta significa poder SUSTENTAR e, mesmo FACILITAR, que o sujeito interrogue-se, interrogando ao mesmo tempo, o mundo em que se move” (Sato & Schimidt, 2004).
Como um sujeito, aquele que se encontra desempregado, precisa fazer escolhas o tempo todo, mesmo sem perceber. Desta forma, na psicoterapia pode-se desenvolver e construir a capacidade do indivíduo de olhar para si e suas necessidades (do micro para o macro), auxiliando-o a lidar com seu sofrimento e também olhar para suas potencialidades para buscar sua reinserção no mercado de trabalho.
Buscamos em conjunto refletir sobre:
- Quem sou eu (independente da minha condição)?
- No que eu gostaria de trabalhar?
- Como estou fazendo as minhas escolhas?
O desemprego acaba por desconstruir o papel atribuído à figura do trabalhador produzida ao longo da experiência de trabalho. Além disso pode promover uma análise crítica frente à situação que está vivendo, ou seja, pode ocorrer um aumento na capacidade de nossa auto-percepção.
O desemprego pode significar esvaziamento, desapropriação, desalojamento de si e o permitir-se ou forçar-se a desestabilização. POR OUTRO LADO, esta condição (temporária) pode oportunizar uma RECONSTRUÇÃO e ressignificação da vida e da atividade laboral. O espaço promovido na psicoterapia tende a facilitar esse processo, uma vez que ao falar, o sujeito se escuta e amplia seus horizontes.
A falta de trabalho deve ser compreendida como parte um processo e não uma situação estática e definitiva. Podemos enfrentar este aspecto, não como responsabilidade ou culpa pessoal e sim como uma consequência das adversidades, por exemplo, da pandemia ou das regras do mercado de trabalho capitalista. Promover auxílio, por meio da empatia, pode ser um dos caminhos possíveis para acolher a dor causada pela falta do emprego ou impossibilidade de trabalho.
Escrito por: Psicóloga Mariana Diniz
CRP: 06/142181
Mariana atualmente atende pela Mente Amiga.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ROCHAEL NASCIUTTI, J. Pandemia e perspectivas no mundo do trabalho. Caderno de Administração, v. 28, p. 82-88, 5 jun. 2020.
MILHOMEM, Camila Pereira. Proposta de pesquisa bibliográfica como tema central em Reflexão acerca do desemprego como causa de adoecimento mental. 2015. 58 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso de Psicologia, Centro Universitário Luterano de Palmas, Palmas/TO, 2015.
Kieling Monteiro, Janine; Machado Pesenti, Clarissa; Maus, Daiane; Bottega, Daniela; Machado, Fabiane Rosa. Reflexões acerca do atendimento psicológico a desempregados. Aletheia, núm. 27, enero-junio, 2008, pp. 233-242. Universidade Luterana do Brasil Canoas, Brasil.
NOGUEIRA, Joana Maria Faria de Vasconcelos Neto. Consequências psicológicas do desemprego. Dissertação (Mestrado) – Curso de Mestrado em Psicologia, Aconselhamento e Psicoterapia. Escola de Psicologia e Ciências da Vida. Lisboa, 2014.
SCHMIDT, M.; JANUÁRIO, C.; ROTOLI, L. Sofrimento psíquico e social na situação de desemprego. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 21, n. 1, p. 73-85, 12 set. 2018.